Observatório da Jurisdição Constitucional ISSN 1982-4564 Ano 4, 2010/2011 |
VINTE
ANOS DA COMISSÃO DE
VENEZA:
A
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA NA
EXPERIÊNCIA EUROPÉIA DE
DEMOCRACIA ATRAVÉS DO DIREITO
Christine
Oliveira Peter
da Silva[1]
Mestre
e Doutoranda em Direito e Estado
pela UnB
Assessora
de Assuntos Internacionais do
STF
Professora
de Direito Constitucional do
UniCeub
Em
1990, foi criada a Comissão Européia para a
Democracia através do Direito, mundialmente conhecida como
Comissão de Veneza,
que consiste em um órgão consultivo do Conselho
da Europa para questões
constitucionais. No início, a Comissão de Veneza
se firmou por meio de um
acordo entre 18 países membros do Conselho da Europa, acordo
este que somente
veio a receber adesões de países
não-europeus em 2002[2].
Atualmente,
a Comissão de Veneza é composta de 57
membros, dos quais apenas 10 não fazem parte do Conselho da
Europa[3].
O Brasil está entre estes países, tendo
ingressado como observador no ano de
2008, e se tornado membro em 2009. Desde então, os Ministros
Gilmar Ferreira
Mendes e Cezar Peluso são os representantes do Brasil na
Comissão de Veneza e o
Supremo Tribunal Federal tem apoiado a
participação brasileira nesse importante
foro internacional de discussões[4].
As
atividades da Comissão de Veneza são guiadas por
três fundamentos principais: a Democracia, os Direitos
Humanos e a Supremacia
do Direito. Assim, com base nesses princípios, pautam-se as
atividades de: (a)
assistência constitucional; (b) assessoria para
eleições, referendos e partidos
políticos; (c) cooperação entre Cortes
Constitucionais e os Ombudsmen; (d)
estudos, relatórios e
seminários multinacionais sobre temas constitucionais
relevantes[5].
Este
trabalho tem como objetivo principal
apresentar à comunidade brasileira
informações gerais sobre esta
Comissão, que
se reúne, em sessões plenárias
ordinárias, quatro vezes ao ano, em Veneza, na
Itália, e que, por isso, foi batizada de Comissão
de Veneza[6].
Também é objetivo deste ensaio destacar a
importante participação do Brasil
nesse foro de discussão e as atividades que estão
sendo desenvolvidas pela
participação dos Ministros Gilmar Ferreira Mendes
e Cezar Peluso nessa
iniciativa de cooperação judiciária
apoiada pelo Supremo Tribunal Federal.
Vale
registrar que, em princípio, a Comissão de
Veneza foi concebida como um instrumento de ajuda internacional para
assuntos
constitucionais “de urgência”, para
aqueles países europeus cujos contextos
fossem de transição democrática[7].
Todavia, a sua função evoluiu gradativamente para
a de uma instância de
reflexão sobre questões constitucionais de alta
relevância, com notório
reconhecimento internacional, bem como foro prestigiado de onde brotam
novas
vertentes de atuação, principalmente quanto a
sugestões práticas e
experimentadas para a consolidação das jovens
democracias.[8]
Conforme
ensina Hjörtur Torfason, o Conselho da Europa
surgiu para ajudar a contornar os confrontos populares na Europa
ocidental,
pois se temia que a discórdia entre os países da
região desencadeasse mais uma
guerra. O Estatuto do Conselho, que data de 5 de maio de 1949,
demonstra a
convicção da busca pela paz por meio da
Justiça e da cooperação internacional.
Para tanto, foi considerado importante, à época,
declarar o cumprimento dos
valores e princípios essenciais para a “verdadeira
democracia”.[9]
Assim,
nos primeiros tempos do Conselho da Europa sua
função foi basicamente de fórum de
discussões sobre novas formas de
cooperação,
tanto econômica como política, especialmente no
que dizia respeito a práticas e
experiências democráticas. A idéia de
criar a Comissão de Veneza surgiu
exatamente nesse contexto,
Nos
primeiros anos, a Comissão de Veneza se
restringiu aos países europeus, havendo até mesmo
um enfoque para as questões
da Europa Central e Oriental. Todavia, desde 2002 os objetivos foram
expandidos
com o ingresso de países fora desse bloco Europeu.[11]
Atualmente,
a Comissão de Veneza tem como objetivo principal reunir
informações sobre os sistemas
jurídicos dos seus membros, em busca da
compreensão das culturas jurídicas formadas, com
o intento de examinar os
problemas comuns sobre funcionamento das
instituições democráticas, bem como opinar
quando solicitada. Nesse
sentido, a atuação da Comissão de
Veneza passou a ser guiada por princípios
constitucionais relacionados a direitos humanos individuais e
políticos
necessários à manutenção do
Estado de Direito, como pilar essencial para a
consolidação da Democracia[12].
Registre-se
que a adesão do Brasil à Comissão de
Veneza foi impulsionada pelo Supremo Tribunal Federal,
órgão que teve seus
laços estreitados com esta Comissão
através da cooperação
judiciária mantida no
âmbito da Conferência Ibero-Americana de
Justiça Constitucional[13],
da qual o Supremo Tribunal é membro fundador.
A
partir de sua adesão, em abril de 2009, o Brasil
tornou-se o 56º país membro da Comissão
de Veneza. Registre-se que a Jurisdição
constitucional é uma das principais áreas de
interesse da Comissão de Veneza, o
que pode ser constatado, inclusive, pela criação
do centro de documentação de
assuntos constitucionais, que visa reunir e divulgar a
jurisprudência
constitucional dos países membros e associados[14].
Também
é de se destacar o Fórum de Veneza, que
consiste em um fórum virtual de questionamentos e respostas
enviadas entre os
países membros da Comissão de Veneza sempre que
eles necessitam de alguma
informação da base comparada das
experiências constitucionais uns dos outros.
Desde sua adesão em 2009, o Brasil já respondeu a
mais de 45 questões sobre
temas constitucionais relevantes[15].
A
Comissão de Veneza também apóia e
organiza
Seminários e Congressos em todos os países que
solicitam, bem como co-organiza
as Conferências Mundiais sobre Justiças
Constitucionais, a qual terá a sua
segunda edição[16],
no
Brasil, em Janeiro de 2011[17].
Por
fim, registre-se ainda que a Comissão de Veneza
reúne os especialistas indicados pelos
países-membros em sessões plenárias
ordinárias trimestrais, onde se discutem temas diversos de
interesse comum e
particulares. No dias 15 e 16 de outubro de 2010, mais uma dessas
sessões estará
acontecendo em Veneza, tendo como destaques de sua pauta a
aprovação de um documento
sobre “Acesso Individual às Justiças
Constitucionais” de seus países membros,
que constitui um documento reunindo informações
relevantes sobre os sistemas de
acesso à jurisdição constitucional de
todos os seus países membros, documento
este que foi construído a partir de respostas a
questionamentos feitos pela
Secretaria Geral Permanente da Comissão de Veneza, durante o
primeiro semestre
de 2010.
Assim,
a contribuição da Comissão de Veneza
para a
consolidação de um Estado Constitucional e
Democrático no Brasil é evidente,
sendo salutar a a participação brasileira, tendo
em vista as peculiaridades e
curiosidades do nosso complexo e já consolidado sistema de
controle de
constitucionalidade.
Bibliografia
Bartole, Sergio, Final
Remarks: The Role of the
Hamilton, James, The
Venice Commission, Hamilton: Irish Times.
Jowell, Jeffrey,
The
Salinas Alcega,
Torfason,
Hörtur, That Lands be
settled through Law, Afmælisrit (mélanges) Thor
Vilhjálmsson, p 275 e ss,
(Byggð séu lönd með lögum
- Nokkur orð um
Evrópuráðið og Feneyjanefnd,
original
text in Icelandic).
[1] Este artigo
contou com a
colaboração da cuidadosa pesquisa de Larissa
Melo, a qual se dedica com
peculiar brilhantismo, na secretaria da Assessoria de Assuntos
Internacionais
da Presidência do Supremo Tribunal Federal, ao aprofundamento
e consolidação da
experiência de cooperação
judiciária no âmbito da Comissão de
Veneza. A ela
meus profundos agradecimentos.
[2] Estas
informações podem ser
encontradas no sítio da própria
Comissão de Veneza: www.venice.coe.int/site/main/Presentation_E.asp
[3]
São eles: Argelia, Brasil, Chile, Israel,
República da Coréia,
Quirguistão, México, Marrocos, Peru,
Tunísia.
[4] De acordo com o art.
2º do seu Estatuto, a
Comissão de Veneza é composta por especialistas
que tenham conquistado notório
reconhecimento pelo seu trabalho em instituições
democráticas ou pela sua
contribuição para o aprimoramento do Direito e da
Ciência Política de seu país.
Em geral, os membros da Comissão de Veneza são
acadêmicos experientes,
principalmente das áreas de Direito Constitucional e Direito
Internacional,
magistrados de Cortes Supremas e/ou Constitucionais ou membros de
Parlamentos.
Eles atuam e se responsabilizam pelas suas opiniões perante
a Comissão de
Veneza e são indicados, pelos países-membros,
para mandatos de 4 anos.
Cfr. www.venice.coe.int/site/main/Presentation_E.asp Acessado em 12/10/2010.
[5] Jowell, Jeffrey. The Venice Commission - Disseminating Democracy through Law, Public Law 2001, p. 675. Disponível em: www.venice.coe.int/site/articles/articles.asp Acessado em 12/10/2010.
[6] Hamilton, James, The Venice
Commission,
Hamilton: Irish Times.
Disponível
em: www.venice.coe.int/site/articles/articles.asp
Acessado em 12/10/2010.
[7]
Nesse sentido afirma: Bartole,
Sergio, Final Remarks: The Role of the Venice Commission, in: Review of Central and East European Law 26
(2000), 351 e ss.
[8] Cfr. www.venice.coe.int/site/main/Presentation_E.asp.
Sobre o papel da Comissão de Veneza no que tange
à transição democrática
européia vide: Bartole, Sergio, Final Remarks: The
Role of the Venice Commission, in: Review
of Central and East European Law 26 (2000), 351 et.
seq.
[9]
Nesse sentido cfr. Torfason,
Hörtur, That
Lands be settled through Law, Afmælisrit
(mélanges) Thor Vilhjálmsson, p
275e
276. Disponível
em: www.venice.coe.int/site/articles/articles.asp
Acessado em 12/10/2010.
[10] Jowell, Jeffrey. The Venice
Commission
- Disseminating Democracy through Law, Public Law 2001, p.
675. Disponível
em: www.venice.coe.int/site/articles/articles.asp
Acessado em 12/10/2010.
[11] Registre-se
que, atualmente, são
três as principais diretrizes para a
atuação da Comissão de Veneza: a)
promover
assessoramento e assistência quando requerida; b) emitir
opiniões e pareceres
sobre as questões (transnacionais) que lhe são
submetidas; c) providenciar
treinamentos aos órgãos oficiais de governo,
seminários e oficinas sobre temas
de interesse geral ou particular dos Estados-membros; d) manter centro
de
documentação sobre matérias
constitucionais e banco de dados sobre
jurisprudência constitucional. Nesse
sentido: Jowell, Jeffrey. The Venice
Commission
- Disseminating Democracy through Law, Public Law 2001, p.
675. Disponível
em: www.venice.coe.int/site/articles/articles.asp
Acessado em 12/10/2010.
[12] Jowell, Jeffrey. The Venice
Commission
- Disseminating Democracy through Law, Public Law 2001, p.
675. Disponível
em: www.venice.coe.int/site/articles/articles.asp
Acessado em 12/10/2010.
[13] Conferência
Iberoamericana de Justiça
Constitucional integra no seu seio todos os Tribunais, Cortes e Salas a
quem
incumbe realizar a justiça constitucional nos
países de língua espanhola e
portuguesa da América e da Europa. Com base em
experiências e reuniões
anteriores (Conferências de Lisboa – 1995; Madrid
– 1998 e Guatemala – 1999), a
Conferência institucionalizou-se em Sevilha em Outubro de
2005.
O objeto da
Conferência é o de servir como foro e
fonte de intercâmbio de experiências e
informação, com a finalidade de
reforçar
os sistemas constitucionais mediante a
reafirmação de postulados partilhados
dando uma melhor resposta às crescentes exigências
dos cidadãos de diferentes
países no âmbito da justiça
constitucional. Para tanto, desenvolvem-se diversas
atuações de âmbito multilateral,
apoiando também as que possam levar-se a cabo
a nível bilateral ou regional, favorecendo, assim, as
relações com outros
tribunais, organismos e instituições nacionais,
internacionais e
supranacionais. Cfr. www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=sobreStfCooperacaoInternacional&pagina=ConferenciaIberoamericana
Acessado em 13/10/2010.
[14] Trata-se da
base Códices, que
pode ser acessada pelo seguinte endereço
eletrônico: www.codices.coe.int/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm
Acessado em 13/10/2010.
[15] O
Fórum de Veneza
consiste em trocas confidenciais e rápidas de
informações entre as
jurisdições
sobre pontos atuais e pontuais. De modo geral, os oficiais de
ligação enviam
questões a serem respondidas pelos diversos
países sobre questões pontuais e contextualizadas
que a jurisdição de um determinado
país membro está enfrentando.
[16] Sobre a
primeira edição da
Conferência Mundial de Justiça Constitucional,
ocorrida na Cidade do Cabo,
África do Sul, em Janeiro de 2009, Cfr: www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=sobreStfCooperacaoInternacional&pagina=Conferencia_Mundial_de_Justica_Constitucional
[17] Assim o Ministro Gilmar
Mendes anunciou
oficialmente aos colegas da Corte e aos demais interessados da
Comunidade
Jurídica brasileira a confirmação de
que a II Conferência Mundial teria sede,
no Brasil, em Janeiro de 2011: “Srs. Ministros, tenho a
grata satisfação de comunicar ao
Plenário desta Corte que, por ocasião da VII
Conferencia Iberoamericana de Justiça Constitucional,
ocorrida em Mérida neste
mês de abril, foram anunciados formalmente o Brasil como sede
e o Supremo
Tribunal Federal como anfitrião da II Conferência
Mundial sobre Justiça
Constitucional, a ocorrer em novembro (sic Janeiro) de 2011. Na
Conferência de
Mérida, que contou com a participação
de representantes de todos os grupos
regionais e linguísticos, além da
Comissão Européia para a Democracia
através
do Direito (Comissão de Veneza), a candidatura brasileira
foi admitida sem
qualquer divergência.” Gilmar Ferreira
Mendes em sessão de
29/04/09.