O Direito à Saúde dos Povos Indígenas e os Desafios da Perpetuidade da Política Indigenista Integracionista no Brasil
DOI:
https://doi.org/10.11117/rdp.v17i96.4582Palavras-chave:
povos indígenas, direito indigenista, etnocídio e genocídio, COVID-19.Resumo
Trata-se de artigo científico que objetiva analisar a incompatibilidade da política indigenista integracionista com a exigência de promoção do direito à saúde dos povos indígenas, segundo parâmetros constitucionais (relativos, especialmente, ao sistema público de saúde) e supraconstitucionais, previstos em tratados de direitos humanos e em sua interpretação por cortes internacionais. Isso porque, no enfrentamento ao quadro pandêmico de contágio do SARS-CoV-2, em 2020, a política indigenista tem ressaltado o descompasso entre o acesso aos direitos humanos por povos indígenas e seu reconhecimento como sujeitos de direitos, pois que ainda vistos sob o ângulo tutelar. Intenta-se demonstrar como a política integracionista, além de defasada e inconciliável com a Constituição e o direito internacional dos direitos humanos, insere-se num conjunto de táticas veladas de etnocídio e genocídio dos povos indígenas ao referendar a tutela estatal e ao dificultar a participação direta dos indígenas na tomada de decisões acerca de temas que os afetam. As barreiras legislativas e dogmáticas de interpretação da seara indigenista são exemplos da negação de dignidade humana inerente à diversidade étnico-racial, o que o combate à COVID-19 tem apenas explicitado. Neste sentido, os autores propõem-se ao exame daquela contradição entre o modelo civilizacional pluricultural e a manutenção da política indigenista atual. Em seguida, promovem o exame dos efeitos de tal política no combate à COVID-19 entre indígenas brasileiros e seus resultados. Por fim, examinam-se as vias jurídicas de acesso à saúde com a possibilidade de judicialização da saúde no sistema interamericano de direitos humanos.Downloads
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