O Processo e a Terra: Lutas Indígenas em Torno à Citação Judicial (Aldeia de São Pedro De Cabo Frio, 1838-1851)
DOI:
https://doi.org/10.11117/rdp.v21i109.7829Resumo
Durante o primeiro século da independência política do Brasil, os conflitos de terra entre indígenas e colonos alcançaram novos matizes do ponto de vista jurídico. Parte desses matizes derivou da emergência progressiva de uma ideia de propriedade privada em sua forma moderna. Isso implicava, entre outros fatores, uma legislação restritiva em relação às terras de uso comum. Por outro lado, se intensificou o debate sobre os critérios para considerar as pessoas indígenas como “civilizadas”. Nesse contexto, algumas terras que tinham sido dadas em sesmaria a comunidades indígenas durante o período colonial foram alvo de interesses comerciais e de ocupação, com a anuência das autoridades designadas para tutelar os chamados “bens dos índios”. Neste trabalho, utilizei um processo ocorrido em São Pedro de Cabo Frio (1839-1850) como fio condutor para mostrar como as reformas do século XIX afetaram o acesso às terras indígenas. Esse conflito chegou até o Tribunal da Relação, estando todo o processo arquivado no Arquivo Nacional. O caso é interesante porque coincidiu temporalmente com algumas reformas importantes dos primeiros anos do imperio. Entre elas, a eliminação das Ouvidorias em materia civel, o aparecimento dos juízes de paz, e a aprovação, em 1845, do Regulamento das Missões. Cruzando os debates do processo judicial com outras fontes do período, como jornais, relatos particulares, relatórios dos presidentes da provincia e a doutrina jurídica coetânea, mostro algumas das estratégias juridicamente possíveis para os indígenas aldeados, destacando, ao mesmo tempo, as limitações que a circunstancia de ser considerado “índio” lhes impunha.
PALAVRAS-CHAVE: citação, indígenas, demarcação, aldeia, império
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Referências
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