Mulheres da Pesca:Invisibilidade e Discriminação Indireta no Direito ao Seguro Desemprego

Invisibility and Indirect Discrimination Undermining Unemployment Insurance Rights

Autores

DOI:

https://doi.org/10.11117/rdp.v18i97.5038

Palavras-chave:

pesca artesanal, gênero, reconhecimento profissional, direitos previdenciários, igualdade.

Resumo

Na legislação brasileira hodierna, a pesca é definida restritamente como captura dos recursos naturais e é considerado pescador quem a executa. As mulheres presentes na cadeia produtiva artesanal desenvolvem, principalmente, o beneficiamento do pescado e, conforme estabelecem os dispositivos legais, são consideradas trabalhadoras de apoio às atividades pesqueiras, não sendo reconhecidas pelo Estado como categoria assegurada pelo direito previdenciário do seguro desemprego, o denominado Defeso. Ao regulamentar as diferentes etapas da pesca artesanal, o ordenamento jurídico pátrio discrimina indiretamente as mulheres, pois a divisão sexual do trabalho e as relações sociais de sexo são naturalizadas como normas de gênero e reproduzidas na proposição das políticas públicas. O presente artigo busca evidenciar, a partir da revisão bibliográfica, da reflexão sobre dados qualitativos obtidos em pesquisa socioambiental realizada em municípios fluminenses e da análise da legislação vigente, o fato de que as mulheres da pesca têm sido historicamente invisibilizadas, pois o trabalho por elas desenvolvido é visto, inclusive quando classificado pela administração estatal, como secundário e complementar. Assim, o mandamento constitucional antidiscriminatório é desrespeitado pela falta de reconhecimento profissional e pela negação de direitos sociais fundamentais, o que coloca as trabalhadoras em situação de imprevisibilidade de renda e de insegurança alimentar. A crítica à legislação pesqueira reforça a complexidade de processos políticos, sobretudo os efeitos adversos relativos às demandas pela igualdade de gênero.

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Biografia do Autor

Fernanda Pacheco Huguenin, Universidade Estadual do Norte Fluminense; Institutos Superiores de Ensino do CENSA

Possui Bacharelado em Ciências Sociais (2002) e mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais (2006), ambos pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). É doutora em Antropologia Social (2011) pelo Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UNB). Atuou como professora de Sociologia (2011-2015) no Ensino Superior na Universidade Cândido Mendes (UCAM) e como professora substituta (2010-2012) e professora concursada (2015-2018) no Instituto Federal Fluminense, sendo docente no Ensino Médio, PROEJA e Ensino Superior. Foi coordenadora do Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual (NUGEN) do IFF Itaperuna, onde desenvolveu os projetos de Cursos de Extensão (2016): "Gênero, Cinema e Saúde" e "Gênero e Sexualidade no Hospital e na Escola". Foi coordenadora do Curso de Formação Continuada em Educação e Direitos Humanos (2017) no IFF Itaperuna. É pesquisadora pós-doutoranda (2018) no projeto "Mulheres na Pesca" (FUNBIO), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da UENF e graduanda em Direito pelos Institutos Superiores de Ensino do CENSA.

Silvia Alicia Martínez, Universidade Estadual do Norte Fluminense

Professora Associada da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Graduada em Ciências da Educação (Mar del Plata,1986), Mestre e Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1993; 2000). Fez Estágio de Pós Doutoramento na Universidade de Lisboa. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Política e História da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: formação de professores, profissão docente, cultura material escolar, juventude e memória. Atua na linha EDUCAÇÃO, CULTURA, POLÍTICA E CIDADANIA do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais (Mestrado e Doutorado Acadêmico), sendo Coordenadora entre os anos de 2012 e 2016. É líder do Grupo de Pesquisa Educação, Sociedade e Região. Foi chefe do Laboratório de Estudos de Educação e Linguagem -LEEL-CCH-UENF (chefe de departamento de Educação) de 2007 a 2012. Foi coordenador de IC do CCH no periodo 2007-2008. Entre 2006 e 2018 foi membro do colegiado do Mestrado em Políticas Sociais da UENF. Entre 2007 e 2012 foi membro do Colegiado do Centro de Ciências do Homem; membro do Colegiado Acadêmico; Membro do Conselho Universitário. Entre 2012 e 2016 foi membro da Câmara de Pesquisa e Pós-Graduação. Tem desenvolvido pesquisas financiadas pela FAPERJ e pelo CNPq. É membro fundadora da diretoria da ANINTER-SH (Ass. Nac. de Pesquisa e Pós-Grad. Interdisciplinar em Sociais e Humanidades) e Coordenadora de GT do CONINTER - Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades (2012 e 2013, 2015-2018). Foi presidente da Comissão para elaboração de APCN para o curso de Doutorado em Políticas Sociais, apresentado à CAPES no ano de 2014, aprovado em 21 de dezembro de 2014. Membro da comissão para elaboração de projeto institucional de Internacionalização CAPES/PrInt (2018).

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Publicado

2021-04-30

Como Citar

Huguenin, F. P., & Martínez, S. A. (2021). Mulheres da Pesca:Invisibilidade e Discriminação Indireta no Direito ao Seguro Desemprego: Invisibility and Indirect Discrimination Undermining Unemployment Insurance Rights. Direito Público, 18(97). https://doi.org/10.11117/rdp.v18i97.5038