Verdade Processual e Crise das Provas Judiciais: Análise do Processamento de Mortes Violentas Envolvendo Pol´iciais em Salvador, Bahia
DOI:
https://doi.org/10.11117/rdp.v18i99.5735Palavras-chave:
Verdade processual, prova judicial, mortes decorrentes de intervenção policial, práticas judiciais, crise da prova.Resumo
Nos anos 2000, o Brasil registrou aumento da ocorrência de mortes por policiais, fenômeno que sugere a necessidade de observar as práticas policiais e a administração da justiça, além de representar um grande desafio à consolidação da democracia no país. Por meio de estudo empírico de enfoque qualitativo, desenvolvido a partir de pesquisa documental e de entrevistas qualitativas do tipo semiestruturado e reflexivo, procedeu-se à análise do processamento, pela organização policial e pelo sistema de justiça criminal, de casos de mortes decorrentes de intervenção policial, ocorridos em Salvador-Bahia e encerrados em 2016. O trabalho lançou luz sobre aspectos relacionados à seleção de elementos de prova operada pelas agências do sistema de justiça na construção oficial e na produção de regimes de verdade no processo de enquadramento jurídico-administrativo destas mortes. A variabilidade dos critérios de seleção sugere um quadro de crise de apreciação da prova, constituído por três dimensões, a saber, escassez de elementos de prova nos procedimentos, precariedade estrutural do processo de produção das provas e descaminhos da interpretação judicial, em que elementos de prova trazidos aos autos são descartados e informações sobre o morto são elevados à condição de prova. Como repercussão dessa crise, a produção da morte enquanto ação jurídica relevante é oficialmente substituída pela ação do morto, essa sim considerada reprovável e passível de condenação criminal. E como já estão mortos, o arquivamento é o desfecho judicial mais comum desses casos.
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